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Alexandre Nóbrega

artistas 

Recife, PE

No início dos anos 1980, especificamente na configuração das artes plásticas, uma narrativa crítica – entre outras que marcaram o importante debate sobre a arte contemporânea e seus circuitos de atuação nacional –, alimentou e foi alimentada pelos modos de fazer de jovens artistas, e produziu alguns enunciados sobre as maneiras e os modos de se fazer arte naqueles anos. O retorno ao fazer da pintura é anunciado em oposição a uma arte conceitual vista como “fria, hermética e cerebral”, marcadamente localizada nos anos 1970. Grosso modo, o discurso da crítica criara um rótulo para sintetizar a novidade: “Geração 80”, pretendendo traduzir as performances de jovens artistas, em sua maioria pintores, oriundos de formação das “escolas” de arte localizadas no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. Não obstante, tal generalização, como qualquer outra, não deu conta de dizer de toda uma produção artística que se espraiava em diversas poéticas e práticas, seja nessas duas metrópoles, e muito menos ao considerar as artes realizadas em outras geografias e lugares do Brasil.

A cartografia das artes visuais na cidade do Recife na década de 1980 apresentava várias iniciativas de artistas que se organizavam em grupos e ateliês coletivos – desde os agrupamentos que integravam artistas consagrados no meio à aqueles que surgiam com a irreverência dos mais jovens que desejavam se inserir à dinâmica do campo das artes. A pintura, o desenho e a gravura são linguagens tradicionais, mas, as experimentações com base nesses modos de fazer e seus transbordamentos são presentes. O trânsito entre a representação figurativa e os ensaios e as experimentações abstratas não era privilégio dos anos 1980, mas observa-se tensões entre as duas representações, e, nota-se que a filiação à vertente construtiva tenha sido uma maneira de provocar deslocamentos na tradição pictórica figurativa da arte pernambucana. Uma espécie de tática, ao modo de Michel De Certeau, de artistas que se diferenciavam, na configuração das artes plásticas, não repetindo o fazer figurativo, mas criando, por meio da abstração, modos de produzir e pertencer ao meio artístico. Alexandre da Nóbrega se desloca nessa direção.

O artista nasceu na cidade de Recife/PE em 1961, passava suas férias, à rigor, até sua juventude no sertão da Paraíba, na cidade de Patos, marcado pela forte presença de fazendas com plantações de algodão, dos festejos e brincadeiras populares e pelo Planalto da Borborema. Tudo isso foi sua morada e ainda o habita estremecendo seu corpo, suas palavras e memória. Na década de 1980 inicia sua formação artística em ateliês coletivos, cursos livres no Centro de Artes da UFPE, sobretudo suas aulas com o artista e professor José de Barros, o permitia lançar-se em territórios experimentais, além de ter frequentando por alguns anos cursos e oficinas livres no Festival de Inverno de Ouro Preto que o aproximou de muitas técnicas das artes gráficas e de muitos artistas que por lá passavam. Participa de diversas edições do tradicional Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, sendo premiado em algumas edições. Em 1986, juntamente com mais sete jovens artistas entre, esses Eduardo Melo, Félix Farfan, José Patrício, João Chagas, Marcelo Silveira, Maurício Silva e Rinaldo Silva, integra o grupo Carasparanambuco. Em início de carreira, todos buscavam sua inserção no campo das artes plásticas e a criação de espaços e eventos artísticos na cidade, firmando-se como um grupo de artistas que dialogavam com as referências da cultura local em dimensão estética e artística contemporânea. A narrativa crítica de arte presente nos jornais do período insistia em apresentar o jovem artista como um representante da arte da abstrata de Pernambuco, seja na representação pictórica, no desenho, na gravura.

De lá para cá, Alexandre Nóbrega realizou muitas exposições coletivas e individuais, em diversas cidades do território nacional. Atuou entre 1994 a 1998 como diretor do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, localizado em Olinda/PE. Nesse período promoveu diversas ações, atividades e exposições com artistas muitos e os diversos públicos visitantes. Participou de Salões Nacionais de Artes Plásticas, realizou três individuais na cidade de São Paulo: na Galeria Itaú Galeria, Galeria Nara Roesler, na Galeria Virgílio consolidando-se no campo das artes e transitando entre a figuração e notadamente a abstração de maneira sofisticada, com extremo rigor formal. Constrói uma narrativa visual utilizando signos e símbolos visuais retirados da memória, da literatura,  da cultura visual que o cerca, que carrega em sua memória do sertão da Paraíba e de Pernambuco. Por meio da experimentação com a pintura, o desenho e a gravura, Alexandre Nóbrega junta, justapõe, cola e mistura essas diversas linguagens, conectando-as, se valendo do procedimento da colagem e montagem sobre o papel. O papel é seu suporte preferido. A impressão, a marca, o gesto de gravar e carimbar sua obstinação. A inscrição e a escrita tem sido seu delírio, a palavra o captura: entre a ficção, a imaginação, o real. O papel em branco tendo sido manchado, torna-se um mapa, uma cartografia a ser decifrada. A compulsão pelo trabalho é notória quando nos deparamos com a enorme quantidade de trabalhos guardados em seu ateliê e revisados por ele.

A fotografia foi a maneira que encontrou para registrar as incursões e as viagens que realizou ao lado do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, por inúmeras paisagens brasileiras, durante os dez anos (2000-2014) que acompanhou o escritor em missões artísticas e culturais. Dessas experiências derivou o livro “O Decifrador”, de 2011 – que apresenta aproximadamente 200 fotografias escolhidas dentro de um universo de mais de três mil imagens – um registro documental das vivências de Ariano Suassuna, visto e retraduzido – com delicadeza intimista, sutil e bela - pelo olhar do artista Alexandre Nóbrega. Em 2014 realiza exposição individual na sede da Caixa Cultural em diversas cidade brasileiras, apresentando quinze fotografias do livro “O Decifrador”. E, em 2020 abriu uma individual na Galeria Garrido em Recife /PE retomando o processo de exibir em exposição das artes visuais um conjunto de trabalhos que habitam seu ateliê. Nessa mostra o artista obsessivo e compulsivo que trabalha, nesse caso, apenas com matizes de preto e branco sobre papel. Usa carvão, nanquim, pigmento, betume, tinta, cal e toda sorte de materiais para criar imagens impactantes, inseridas em campos que se dividem entre formas geométricas ou campos saturados de cor.

Texto: Joana D'Arc

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