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Quantas vezes morremos por dia...
exposição individual: iaco Viana

exposições

Texto crítico: Mariana Tessitore

Vida e luto, claro e escuro, melancolia e prazer, clássico e contemporâneo. As dualidades permeiam a obra de iaco Viana. Nascido em 1981 em São Paulo, o artista iniciou sua carreira como pichador, escrevendo e pintando nos muros da cidade. Após alguns anos, passou a explorar outras linguagens, como a escultura e a pintura, aliando sua vivência nas ruas à investigação formal.

Em sua segunda exposição individual, intitulada Quantas vezes morremos por dia, o artista apresenta um conjunto de obras inéditas, sobretudo pinturas, produzidas nos últimos dois anos. A mostra ocupa dois espaços expositivos em São Paulo: a Nós Galeria e o Espaço Tinta.

As pinturas exibidas são compostas por diversas camadas de tinta sobrepostas. Na parte superior das telas, o artista espalha jatos de tinta, na cor preta ou branca. Já na parte inferior, estão presentes elementos figurativos, como frutas, cadeiras e garrafas, entre outros, retratados com cores quentes.

Como um contador de histórias, iaco cria um universo misterioso, no qual a simbologia e a numerologia são centrais. O signo do arco-íris, por exemplo, aparece em quase todas as obras, evocando a ideia de ciclo presente em inúmeras culturas. Outro elemento frequente é o Oroboro, símbolo milenar da serpente que come a própria cauda.

Já as frutas remetem tanto ao tema da natureza-morta, marco da pintura, quanto à própria trajetória de iaco, cuja história familiar tem uma ligação com a feira. As obras oferecem, assim, pistas para os visitantes sobre a vida do artista, convidando-os a criar suas próprias narrativas.

Outro aspecto central nos trabalhos é a presença da palavra. Como um artista ligado originalmente ao picho, iaco entende o poder de comunicação das palavras e como, independentemente do suporte, muros ou telas, elas podem dialogar com o público. Nos seus quadros, termos como “frágil”, “poder” e “tudo” são frequentes. As pinturas também têm títulos oníricos, como “Um detalhe é sonhar”.

 

Na exposição, esse viés lúdico convive com a denúncia e a revolta. Com rastros de tinta preta, iaco expressa o sentimento de luto, fruto não apenas da pandemia, mas da máquina de genocídio do Estado, que diariamente assassina os moradores das periferias do país. Essa realidade, que ele conhece de perto, é mais uma das camadas da obra do artista, para quem “o fato de estar vivo já é uma vitória”.

 

A urgência de viver, de quem não tem tempo para perder, também aparece na instalação composta pela carcaça de um carro, exposta no Espaço Tinta. Elemento onipresente na paisagem da cidade de São Paulo, símbolo de suposta virilidade, o automóvel também remete a uma história pessoal do artista. Quando criança, iaco testemunhou sua mãe ser atropelada na rua de sua casa. O acidente felizmente não foi fatal, mas deixou marcas na memória do artista. Ao inserir o carro no centro do espaço expositivo, quase em posição de ameaça, iaco confronta os visitantes com os riscos que permeiam a vida, lembrando que a morte está sempre à espreita.

 

Fim e começo estão assim entrelaçados nesta exposição. Ao visitá-la, o público pode adentrar no universo e na poética de iaco, um artista imerso no cotidiano e nas contradições pulsantes da cidade.

Texto: Mariana Tessitore

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