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Não existe forma pra dizer o que eu preciso
exposição individual: Abròs Barros

exposições

Texto crítico: Mariana Bessa

Curadoria: Mariana Bessa e Beth da Matta

Incorporar o enigma, amparar o assombro.

Estamos sempre para nós e para o outro enquanto mistério. Lançados ao mundo sem garantias, tateamos o que já foi na busca de uma explicação para o que é ou será. Mas como acessar o que já foi quando o passado é uma rasura intencional criada para capturar corpos e subjetividades? Abrós investiga as forças que circundam seu corpo e memória na busca por uma cartografia de si e do outro que é descendente e dissidente, numa tentativa constante de uma aproximação cautelosa, deixando que a natureza do mistério continue assegurada.

As descobertas que emergem no universo pictórico de Abrós, falam não somente de sua história pessoal, mas “(...) dos imaginários que não conheço. Lugares, figuras, pessoas que eu nunca fui.”, aponta a artista, atiçando o enigma que cinge sua existência. Tudo isso em movimento de distância-presença sendo articulado em seu próprio ser. Visível e vidente, sujeito e objeto, olho e espírito* indissociáveis.

O corpo manipulado enquanto configuração inédita, parte de um pedaço do próprio corpo da artista, servindo como uma reivindicação da possibilidade de rever a forma e encontrar novos caminhos para comunicar sem desvendar e desvelar tudo, pois “não existe forma para dizer o que eu preciso”. É nesse sentido que a artista propõe um movimento de transgressão, de dar espaço ao absurdo enquanto algo que não se enquadra, viabilizando uma fuga das sentenças impostas pelo mundo sobre esse corpo.

O universo de Abrós sustenta coisas que não podem ser comunicadas deliberadamente. Além do corpo figura, o artista investiga palavras que vão sendo manifestadas no momento em que seu corpo se encontra em processo de engajamento na prática da mão que desenha e pinta, quase como uma incorporação das coisas invisíveis que habitam sua órbita. É nesse sentido também que o absurdo, enquanto algo destituído de razão, vai sendo levado ao seu extremo, à radicalização, às raízes, quando a artista, munida de seu repertório gestual, dá espaço ao imprevisível, escoando conteúdos que a mobilizam.

O assombro e exercício do mistério é presentificado nos códigos que viram textura, no fragmento de corpo de figuração dúbia, como um ensaio de descoberta de novas funcionalidades. Um convite para dissecar o corpo, que relembra Artaud e seu corpo sem órgãos que se transfigura em um gesto que vai na contramão dos processos biopolíticos de controle. Corpo da experiência, que ampara suas próprias forças.

Abrós releva o que lhe serve como alumbramento para conceber seus objetos: “Ao redor de mim existe uma realidade que eu consigo alcançar as vezes, que é sobre quem eu sou.”.

 

*Obra de Merleau-Ponty

Mariana Bessa

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